Sebastião Josué Votre
Mecanismos funcionais do uso da língua – 30 anos depois
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Sebastião Josué Votre
Mecanismos funcionais do uso da língua – 30 anos depois
O ponto de partida de nossos estudos sobre o uso da língua, em situação real de comunicação, no final dos anos 1980, era a sociolinguística variacionista, com foco na busca de fatores extralinguísticos associados à ordenação vocabular. Por influência da professora Sandra Thompson, na época professora da UCLA, fizemos um estudo sobre a ordenação verbo-sujeito, não em confronto com a alternativa sujeito-verbo. Trabalhamos com o corpus do Programa de estudos do uso da língua, com 64 informantes, que levantamos especificamente para análise de dados de fala. O contato estreito com os estudos de pidgins e crioulos, desenvolvidos na Universidade de Québec à Montreal, por Gillian Sankoff e Suzane Laberge, e os estudos de Givón, sobre diacronia, nos levaram à busca da sintaxe no discurso. As evidências trazidas pelos dados do Tok Pisin nos inclinaram, inapelavelmente, para o que se chamava, na época, de funcionalismo linguístico, um termo perigoso, em vista das críticas que se desferiam contra o funcionalismo na antropologia. O rótulo funcional foi se impondo, e as várias vertentes do movimento se consolidaram, desde o funcionalismo radical, representado por Erica Garcia, que postulava inexistência da sintaxe, e o funcionalismo moderado, que adotamos no nosso grupo de pesquisa. Matemático, e oriundo do gerativismo (sua tese de doutorado foi orientada por Kiparski), Anthony Naro, no contexto acadêmico da UFRJ, de confrontos entre os gerativistas liderados por Miriam Lemle e nossa vertente, jovem e entusiasmada pelos postulados funcionalistas, sugeriu que sintetizássemos, numa espécie de manifesto, os princípios, métodos e metas do funcionalismo que fazíamos. Além disso, à semelhança do que o fizeram Sandra e Givón, propôs que o texto confrontasse os postulados da proposta gerativista.
Mandamos o trabalho para a seção de debates, da Delta. Como havia citação e crítica à proposta de Milton do Nascimento, sobre a ordem VS, este autor, em réplica, produziu um belo trabalho de tom conciliador das tendências, em 1990. Respondemos a ele, com uma breve tréplica, sem concedermos espaço à proposta de integração das correntes. Em 1991, Mike Dillinger formulou uma proposta mais abrangente, que envolvesse ambas as correntes. Nós não respondemos ao Mike. Naro se desinteressou pelo debate, e continuou trabalhando na trajetória sociolinguística, que inauguramos na PUC em 1975.
Nesses trinta anos, muito avançou a linguística funcional no Brasil. Em 1992, criamos o grupo de estudos Discurso & Gramática, levantamos um corpus em várias IES, e vimos consolidar-se o grupo da UFRJ, da UFF e da UFRN. As pessoas que Naro e eu orientamos desenvolveram e desenvolvem excelentes programas e projetos de pesquisa na linha do funcionalismo moderado. No final da primeira década deste milênio, crepitações moleculares de novas tendências, novos insights teóricos e métodos inovadores vêm tomando a cena em parte dos projetos de pesquisa levados a termo pelos membros dos três grupos.
Estamos de novo no debate entre as tendências inauguradas pela gramática das construções, de viés cognitivista, e a nossa proposta original. Diferentemente do espírito do confronto, que marcou nossa atitude iconoclasta de 1989, Vou reenfatizar os princípios do funcionalismo moderado, de feição brasileira e motivação norteamericana, e que tem a melhor representação e a produção mais expressiva no grupo do DG de Natal, sob orientação da professora Angélica Furtado da Cunha. Em seguida, vou analisar, criticamente, a entrada de algumas categorias vicárias, nos grupos da UFF e da UFRJ, com atenção para convenções arbitrárias, pareamento entre forma e função e esquematicidade.